CLAUDIO SCHAPOCHNIK
No Porto, em PORTUGAL
Localizada no Norte de Portugal, segunda maior cidade do país e onde o icônico rio Douro encontra o Oceano Atlântico, a cidade do Porto (foto acima) é mundialmente conhecida pelos vinhos, como o delicioso vinho doce de mesmo nome produzido há séculos na Região Demarcada do Douro. Na minha terceira visita à cidade, há alguns anos, conheci parte de uma história muitas vezes tão doce como o sabor do Porto e muitas vezes, infelizmente, amarga e intragável. Refiro-me à presença judaica no belo Porto que, documentalmente, data do século 12.
Ao percorrer as ruas de paralelepípedos da freguesia (bairro) da Vitória, no charmoso Centro Histórico portuense – Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco desde 1996 –, a história judaica ganha trechos de protagonismo. No século 14 ali foi criada uma judiaria – área onde viviam apenas judeus, obrigados pela força da lei. Na freguesia de Massarelos, em outro ponto da cidade, eis aí novamente o judaísmo, mas que se apresenta de forma concreto, vivo e com os olhos para o futuro. É a Sinagoga Kadoorie Mekor Haim, centro espiritual e comunitário da Comunidade Judaica do Porto.
Os 312 quilômetros que separam Lisboa e o Porto levam pouco menos de quatro horas na viagem de ônibus. Foi desta forma que deixei a capital portuguesa com destino ao Norte. Depois de cruzar o rio Douro por uma das pontes, o ônibus parou na estação rodoviária. O guia de turismo Luís Barbosa me aguardava para dar início a uma parte do roteiro judaico na cidade. Era hora do almoço e, antes, saboreei o bacalhau à moda, no icônico D. Tonho, tradicional restaurante de onde se avista o Douro.

NA FREGUESIA DA VITÓRIA
No Centro Histórico, o guia Barbosa aponta para a esquina da rua das Taipas com a rua de São Miguel. Motivo: ali começa a área da antiga Judiaria Nova do Olival, aliás identificada por uma placa turística. De acordo com o Visit Porto, esta judiaria media cerca de 1,8 hectare – o que correspondia a 4% da cidade naquela época.
Andei pela rua de São Miguel. Possui cerca de 500 metros de pouco movimento, prédios de dois e três andares de ambos os lados, até a rua São Bento da Vitória.
Na rua São Bento da Vitória localiza-se a Igreja de Nossa Senhora da Vitória, concluída em 1539 e restaurada no século 18 após um incêndio, e o Mosteiro de São Bento da Vitória, de 1693 – ambos construídos na área da antiga Judiaria Nova do Olival. Do mirante ao lado da igreja se tem uma bela vista desde o rio Douro à Sé do Porto.



Segundo o genealogista e historiador Eugénio Andrea da Cunha e Freitas (1912-2000), autor de Toponímia Portuense, a Judiaria Nova do Olival foi criada pelo rei Dom João 1º, em 1386, mas 110 anos depois, em 5 de dezembro de 1496, Dom Manuel 1º assinou o édito de expulsão dos judeus de Portugal e a judiaria esvaziou porque alguns deixaram o reino luso e outros se “converteram” ao cristianismo, praticando o judaísmo em segredo; eram os cristãos-novos em terras portuenses.
Em 2003, durante reforma na casa de número 9-11 da rua de São Miguel, comprada pela paróquia da Igreja de Nossa Senhora da Vitória para funcionar o Centro Social Paroquial, foi encontrado um echal – palavra hebraica mais utilizada pelos sefaraditas que designa o local para guardar a Torá, o livro sagrado do judaísmo escrito em pergaminho. No caso era um nicho de pedra.
A reforma foi realizada com os cuidados recomendados pela professora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Elvira Mea, cujas pesquisas sugeriam a existência do echal naquele imóvel.
Tudo indica, portanto, que ali deve ter funcionado uma sinagoga clandestina. A visitação do echal é permitida, desde que agendada. Para tanto, deve-se contatar o Centro Social Paroquial de Nossa Senhora da Vitória.
Próximo desta residência há outro vestígio da época da judiaria. É a Escadas da Vitória, antiga Escadas da Esnoga – como se falava sinagoga no português daquele tempo. Os degraus da escadaria ligam as freguesias da Vitória e São Nicolau.


A SINAGOGA
A Sinagoga Kadoorie Mekor Haim fica na rua de Guerra Junqueiro, 340, via com muitas árvores na freguesia de Massarelos. Lá é, ainda, a sede da Comunidade Judaica do Porto, fundada em 1923 pelo capitão do Exército português Artur Carlos de Barros Basto (1887-1961) e por outros judeus originários de países da Europa Central. É considera a maior da Península Ibérica.
Cerca de 300 pessoas de fé judaica integram a comunidade portuense, e seus membros, além de Portugal, vêm de mais de 30 países como Polônia, Egito, Estados Unidos, Índia, Rússia, Israel, Espanha, Reino Unido e Venezuela. O rabino do templo e também da Comunidade Judaica do Porto é o argentino de Buenos Aires, Daniel Litvak.



“Somos uma coletividade viva, de gente interessada no judaísmo e na sua preservação”, conta a advogada Dara Jeffries, em entrevista ao 18viagens numa sala no templo. Dara nasceu nos Estados Unidos e vive em Portugal desde os oito anos. “Um de meus dois filhos fez bar mitzvá – ritual de passagem para a maioridade religiosa, realizada quando o garoto faz 13 anos – aqui neste templo e o jornalista portuense Henrique Cymerman também”, emenda Dara.
Cymerman, que vive em Israel, é um respeitado jornalista que domina, como poucos, a temática do conflito entre israelenses e árabes na Cisjordânia e em Gaza. Já esteve no Brasil para palestras e fez reportagens para o canal Globo News.



Outro ilustre judeu filho do Porto é o poeta luso-brasileiro Bento Teixeira (1561-1600). “Prosopopeia, obra única de Bento Teixeira, dirigida ao capitão e governador da Capitania de Pernambuco, Jorge d´Albuquerque Coelho, é escrita entre 1584 e 1592 e publicada em 1601. Trata-se de um poema épico”, informa a Enciclopedia Itaú Cultural.
“Não há antissemitismo por aqui”, afirma Dara. A comunidade não tem Chevra Kadisha nem cemitério, mas há um projeto para isso. Os judeus da cidade são enterrados nos cemitérios judaicos de Amarante, também no norte de Portugal, e Lisboa, ou em Israel, como já decidiram membros de duas famílias da cidade.
MUSEU RELEMBRA BARROS BASTO
A Sinagoga Kadoorie Mekor Haim foi idealizada pelo português Artur Carlos de Barros Basto e inaugurada em 27 de janeiro de 1938. A construção levou nove anos e foi custeada pela família judia Kadoorie, de origem iraquiana.
Nascido em Amarante, em dezembro de 1887, Basto soube pelo avô de suas origens marranas ou cristãs-novas. Os antepassados foram obrigados a se converter ao cristianismo para sobreviver, e praticavam o judaísmo em segredo ou disfarçado. Barros Basto estava em Tânger, no Marrocos, quando decidiu retornou às origens judaicas. Foi circuncidado e recebeu o nome hebraico de Abraham Israel Ben-Rosh.



Voltou para o Porto e nos anos 1930 fundou o Instituto Teológico Israelita e uma pequena sinagoga. Em 1937, “o Conselho Superior de Disciplina do Exército decidiu pela ´separação do serviço´ (afastamento) do capitão Artur Carlos Barros Basto por considerar que não possuía ´capacidade moral para prestígio da sua função e decoro da sua farda´. A questão era “a circuncisão a alunos do instituto e a saudação com um beijo dos mesmos alunos, à maneira dos judeus sefaraditas do Marrocos”, resume a Agência Lusa sobre o motivo da pena.
Setenta e cinco anos depois de sua condenação e 51 anos depois da morte, em março de 2012 o Parlamento português reabilitou oficialmente Barros Basto, reconheceu a perseguição religiosa de que foi vítima e lhe devolveu a patente de capitão.
No andar superior da sinagoga há um museu muito interessante, com objetos pessoais do capitão Barros Basto e outros sobre o judaísmo no Porto. É aberto à visitação.



FUNDAÇÃO DE SERRALVES
Pertinho da Sinagoga do Porto – a cerca de dois quilômetros – há um equipamento cultural de grande importância para a cidade e Portugal que merece uma visita atenta. É a Fundação de Serralves.
Trata-se de um complexo que reúne um museu de arte contemporânea (projeto do arquiteto Álvaro Siza, vencedor do prêmio Pritzker, o Oscar da Arquitetura, em 1992); a Casa de Serralves, projeto art déco edificada nos anos 1930, e um enorme parque, desenhado pelo arquiteto francês Jacques Gréber (1882-1962).



Todo o conjunto foi classificado, em 2012, como Monumento Nacional português.
Vale demais visitar o museu e a casa, que também recebe exposições de arte, e passear pelo parque, com alguns jardins desenhados. Combinar a visita à sinagoga com a Fundação de Sarralves é uma ótima pedida.
O 18viagens visitou a cidade com apoio do Turismo de Portugal, Associação de Turismo do Porto e Norte de Portugal e Porto Convention & Visitors Bureau
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